7 de nov. de 2009

A velha, a sereia e o homem


Veio a velha, e disse: "Estás com cara de poucos amigos. O que se passa hoje contigo?"

E ele retorquiu:

"O tempo acabou. Esvaziou-se de falta de vontade. " E não disse mais nada.


A velha não se deixou ficar.

"O tempo não existe, não sabes disso? Só existe a vontade. Estás a ver a coisa ao contrário."

Não obteve resposta, a velha.

Desceu então a velha o rochedo onde estava sentada, passos trémulos da idade e da vida.

Na praia viu a Sereia deitada nas ondas que beijavam a areia.

"Sereia, que fazes? Não pertences aqui."

E a Sereia retorquiu:
"O mar acabou. Não tem lugar para mim. Estou entre um mundo e o outro e vou morrer aqui mesmo. "

Retorquiu a velha:
"Estás onde deves estar, qual é a tua dúvida? Não é este mar a tua casa. Pertences a todos, não a ti mesma."

A Sereia acordou. O Homem desceu do rochedo e falou:

"Acusam-me do que não sou, sufocam-me de tanto não ser, de tanto não querer. Que faço, velha?"

A velha olhou para a Sereia e para o Homem e viu a beleza e a força derrotados pelo quotidiano.

E disse:

Formem um exército de um só homem e vistam-se de cores brilhantes. Armem-se de amor, paz e alegria. Sigam caminhos separados, caminhem no isolamento da certeza e do triunfo. Não procurem o caminho pois ele não existe: comecem a andar já hoje e partam na direcção que o vosso coração vos comandar. Nas encruzilhadas não reflictam: tomem o caminho que vos puxa e não aquele que vos parecer mais sensato. No final, mesmo que percam, ganham sempre, porque vos ganhareis a vós mesmos."

E assim partiu a Sereia de costas viradas para o mar, ganhando asas por não poder caminhar, e o Homem voltou a subir o rochedo, de onde voou para dentro de si mesmo.

Encontraram-se no final da vida: a sereia ganhara tranquilidade e conquistara a paz, o homem sensatez e escrevia agora poemas. Ambos mergulharam no mar do tempo que não existe.

Foi um final feliz de tanta simplicidade.

2 comentários:

costalmeida disse...

Lindo!!!

Jorge Ramiro disse...

Um pintor que tem gosto requintado e sutileza. Às vezes, você tem que entender o que o autor quer dizer. Nem todos podem compreender todos os autores. Para entender uma pessoa tem que compartilhar alguma coisa. Caso contrário, uma pessoa não pode entender o trabalho de um autor. Eu uso lentes de contato coloridas. Porque me lembra de que as coisas mudam o tempo todo. As coisas mudam.