5 de nov. de 2009

Veleiros de Verão

Sento-me para escrever à deriva do tempo ameno que faz hoje e vejo ao longe uma fileira de barcos que navegam sem pressa, saboreando o vagar dos dias de Verão. Núvens de gaivotas barulhentas rodeiam os mastros à espera de ver terra, contemplando tempestades que não há notícia que se avizinhem. No mar, a vida intensa agita-se, trocando rotas, buscando a sobrevivência numa cadência arrastada, cardumes de prata que cruzam cumprimentos e se vestem de algas nómadas à procura de águas quentes.

Ainda não está no fim este Verão tão bom e já o Outono se adivinha feliz e o Inverno protegido. Vejo as cerejeiras em flor já a despontar na Primavera seguinte e a vida a desabrochar de cores e aromas doces. Veleiros lentos que navegam à volta do mundo e o abraçam sem o deixar escapar, consolando as suas misérias e trazendo paz aos inquietos.

É nestas areias douradas que repouso a alma e preparo as batalhas necessárias para a construção das estações, chuva, sol, calor, frio, são canções de amor à vida tal como ela é, em cada gota de chuva uma toada diferente, em cada vaga de calor um canto tuarégue de liberdade, é fechar os olhos e ver coisas diferentes das que me rodeiam e eis que elas acontecem e ali estão. O deserto de areias quentes que está sempre comigo mas também a chuva que alimenta a terra e semeia florestas tropicais no meio das cidades de todos os dias e do quotidiano monótono. Não deixo, mudo o paradigma constantemente para que não me acomode à correnteza dos dias e vejo uma filme de aventuras entusiasmantes em cima da vitrine do supermercado, templos de Angkor na Avenida da Liberdade. É bom ser criança outra vez, mergulhada no Sandokan e no Robin dos Bosques, no Tintim e no Lawrence da Arábia, por quem os sinos dobram nas promessas de amor dos campos extensos de Espanha e corsários e mosqueteiros em constante missão para os reis e rainhas da minha infância.

Não existem os tempos idos, são todos presentes, sempre. Já Einstein nos tentava explicar que o que fomos, somos e seremos, sempre diferentes por causa da dinâmica do espaço, mas largamos os sacos de areia para que o balão voe mais alto a cada dia que passa. Ou não. Escolho sempre largar os sacos de areia, mas nem sempre o balão descola, ficando teimosamente quieto e recusando-se a voar para onde quer que seja. É então que fecho os olhos e o vejo já na Mauritânia ou a sobrevoar o Cabo das Tormentas e, quando os abro, lá estou eu a viver entre os pássaros e a ver a terra diminuta ao longe recortada em quadrângulos verdes e extensões amarelas de savana ou prados alpinos. Construo a minha casa na árvore e vivo, feliz, selvagem de alegria e natureza, rodeada de macacos e aves do paraíso. É para lá que me dirijo, hoje, como ontem. No meu veleiro lento de Verão que cruza as águas frias à procura de bom porto, que agora vejo, nítido como a visibilidade do meio-dia, à minha espera, sorrindo feliz.


27 de Agosto de 2009

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