29 de out. de 2009

Paradoxo



Pois seja lá o que for, é um paradoxo uma corda presa a um muro atachada em nó górdio, por um lado, e solta na outra ponta, se bem que continue tesa e elevada no ar, como se de uma daquelas cascavéis encantadas por faquires indianos se tratasse. O que se quer é sempre aquilo que não se tem depois de se obter aquilo que se quis – o alçapão da desgraça do mundo e o resumo, em meia dúzia de sílabas, da causa do sofrimento do mesmo. Cá está, a ponderação sobre a ausência da paixão e do querer, uma das premissas da filosofia budista, que nos acautela para o muito querer como fonte de todo o sofrimento. Nunca entendi esta ausência de desejo, que mata o verde do mundo à nossa volta e transforma a emoção resultante da contemplação da beleza no mero acto contemplativo em si mesmo. Rumo a um samadhi decerto compensatório, pacífico e realizante - mas quem sou eu para saber o que é o quê: aprender a dominar a vontade de não querer mais o que obtenho para querer outra coisa qualquer.

“How to Get What You Want and Want What You Get” é o título de um livro por que passei os olhos neste Verão e que, de repente, mostrou ser uma pérola de sabedoria tanto pragmática como espiritual, resumindo em poucas páginas a essência do ser humano – a minha própria essência ali retratada de forma tão simples. No fundo, somos todos tão parecidos, por vezes.

Cultivo a paciência todos os dias, acto a que me habituei por feitio - paradoxalmente, já agora, impaciente-, e aprendo portanto, acima que tudo, a ter paciência comigo mesma. Já não é mau. E, claro está, acautelar-me para o eterno desejo que está para além do que tenho na palma na mão - mas também para a ausência do mesmo: o fio da navalha do equilíbrio entre a monotonia da existência, aquele tédio de largo bocejo que me faz eriçar os pelos de horror, e a chama voraz de uma existência rápida e demasiadamente recheada de factos. Sim, factos, acontecimentos e afins de teor agitado, transformador e, quiçá, mutante.

Enfim, por hoje é tudo e com esta vou mesmo dormir.

27 de out. de 2009

Que descanso


Que descanso vir para aqui escrever e saber que ninguém me lê. Fugir do facebook e do canto escondido da pasta secreta do word no computador onde me escondo em letras de quando em vez, aqui estou a meio caminho entre o anonimato e a histeria facebookiana. Duas e vinte da madrugada, tanta hora à frente por dormir e um dia inteiro amanhã para viver ao segundo de tantas coisas a fazer. Mas fico aqui apenas dois minutos depois de escavar o cinzeiro à procura de uma beata comprida que se possa fumar em mais de três passas para dizer que o mundo acaba todos os dias um bocado de cada vez, mas também renasce todos os dias com a fúria avassaladora dos berros dos recém-nascidos cheios de ganas de viver. Hoje foi um dia desses: de repente, acabou-se o mundo e, de repente outra vez, renasceu das cinzas como a fénix. Ajudou-me a águia que me apareceu aqui feliz e contente e eu de trombas e a águia na dele, não esmoreceu com o meu mau humor e, de repente, contagiou-me de ar e vento e renasceu-me. Quando dei por mim, tinha o mundo aparecido outra vez à minha frente - o mesmo que se tinha eclipsado horas antes. Assim e pronto. Obrigada, águia. Obrigada, céus infinitos que me vão lançando pacotes de maná embrulhados em fitas de seda ou disfarçados de pão duro. Obrigada, assim vivo.