5 de nov. de 2009

Não sejas assim


Não sejas assim: denso como a noite, claro como os dias floridos de Maio. Mete-te na tua vida e pára de tocares a minha com as costas da tua mão. Que deixas, como se nada fosse, pousada sobre a consola de mármore da entrada, largando impressões digitais espalhadas ao acaso nas páginas do caminho.

Não sejas assim: bruto como as casas, leve como o vento de Setembro. Não sejas tu, para quê assim seres tão tu, tentando controlar o conta-quilómetros desregulado do teu carro de corridas. Mete-te à tua estrada e pára de tocar a minha calçada com as rodas viradas dos teus despistes desastrados. Guarda o turbo na garagem e fecha-a bem trancada ou vai guiar o teu carro nas vias rápidas turbulentas da tua cidade distante.

Virei o cruzamento e esqueci-me de ti. Olho para trás todos os dias e apenas vejo as silvas crescidas na berma da estrada, espinho contra espinho, e guardo a minha espada bem guardada pois não te quero libertar do teu sono agitado. Fica-te nele e repousa bem enquanto comandas em fantasia essa tua vida entrelaçada de desejos imediatos e mulheres louras contadas à peça.

Não sejas assim: não te faz bem ao sangue doente que tens de controlar a cada gota que passa, chicote em punho por um lado para domares o imprevisto, rédea solta por outro para sorveres ainda mais uma conquista urdida no teu esquema diário de horas apertadas.

Não sejas assim: mecha de dinamite instável que tentas conter à lei da mentira, sincero e falso, claro e escuro, bravio e delicado com vergonha de o ser, jogador dos dias que se atropelam à tua frente sem que possas fazer nada para os parares e contorceres à tua mercê.

Larga o poste ancorado às areias duras deste mar batido e mergulha nas ondas frescas que beijam paragens distantes e te querem levar contigo. Vai, pega nos pincéis e nas telas escondidas e pinta-te nelas, garrido de cores explosivas como a tua alma nobre mas tão escondido que estás debaixo desse teu molho de limos secos e espinhos aguçados de dor e insensibilidade.

Vai. Não sejas assim.

21 de Agosto 2009

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