5 de nov. de 2009

Boa noite, meu amor, e bom dia outra vez


Tinha-te aqui dentro do bolso, como te dizia antes de te ver à transparência da chama da vela de cera escorrida que me lançava luz, por vezes, sobre quem tu és. Tinha-te aqui e bastava abrir o bolso e olhar lá para dentro e ver-te, acariciava-te nas vagas de frio, bastava-me pôr a mão no bolso e aconchegar-me de te tocar. Estás agora aqui, não mais uma imagem construída sobre o amor dos dias distantes. Cristalizaste-te no tempo, abriste uma vaga nas horas do dia que eu preencho permanentemente com a tinta da minha caneta, escrevo-te, rabisco-te a pele e o riso e não tenho letras que cheguem para te fazer caber nas páginas brancas dos meus cadernos rasgados, de lombadas descosidas de tanto terem esperado serem escritos e só terem tido ausência e nada, ausência e tédio, nada lhes quis escrever e eles em vez de se manterem direitos e novos nas estantes, entristeceram e tombaram as lombadas e rasgaram as folhas brancas sem nada escrito.

Estendo a mão e toco-te, passo-a pelo teu braço moreno que me enlaça e quer e não me chegam os segundos das horas que passam para preencher os cadernos vazios. Procuro o espaço entre as letras e entre os segundos para te encontrar por inteiro e mesmo assim não tenho frases escorreitas para te compôr um poema decente, identificar-te na rima das frases que deviam mostrar-me, vincadas, de contornos definidos e presentes, aquilo que és. Não consigo, por seres muito mais que as letras do alfabeto compostas de mil formas diferentes, e não as consigo emparelhar para te construir em sílabas nítidas de sentido.

Amo-te, meu amor dos dias presentes, e não cabes já no meu bolso, perdeste a forma e caminhas agora em pura energia tranquila pelas ranhuras da minha vida, preenchendo-as como se nada fosse, assim, sorrindo e franzindo a testa de preocupação pelos dias vindouros. Sereno, tão sereno que és e cheio de luz e sombra, os dias que passam trazem-te mais de ti que agora regressas ao que és sem medo de cortar o silvado denso nem de te arranhares nos espinhos aguçados do desconhecido. São apenas os dias da mudança, meu amor, e da reconciliação do passado com o presente na construção do futuro. Parece isto um slogan de campanha, e é, a minha campanha de batalha firme pela conquista das adversidades, olho-as nos olhos com desprezo e sopro-lhes um sopro cuspido de desdém e logo elas se recolhem de medo de mim e me servem banquetes regados de vinho doce e iguarias delicadas, minhas aliadas no desbaste dos caminhos pedregosos que mais não deixo que me torçam que um pé. Contigo, meu amor, minha força, meu destino.

Recolho agora e deito-me, rindo-me de tanta lamechice que me sai da alma porque mereces isto e tudo o mais, e hoje mais que nunca. Deito-me agora e estendo-me nos lençóis que tantas vezes quase desfizemos de amor e suor e desejo e durmo um sono leitoso e aromático, o teu cheiro colado a mim como a tua alma nos meus poros.

Boa noite, meu amor, bom dia outra vez, e boa noite uma vez mais, assim todos os dias até ao fim.



15 de Setembro 2009

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