5 de nov. de 2009

Depois da tempestade, meu amor


É o amor uma espécie de mistura alquímica de componentes variáveis e indefinidos que convivem aleatoriamente numa espécie de alguidar, ou ânfora grega, se assim for mais romântico, um alambique de braços retorcidos também sendo recipiente adequado a tal mistura insólita.

Vai e vem, o amor, como as ondas do mar, que lugar comum as ondas do mar que vão e vêm e são como o amor que está lá agora e no momento seguinte desapareceu para regressar uma vez mais e fazer sentir o seu toque inconfundível de ansiedade e dor e prazer.

Tomo uma bengala na minha mão, firmemente esta bengala de castão de prata recortada em arabescos indecifráveis que me dão a ilusão da segurança de cada passo apoiado na bengala infalível que não me deixa vacilar. Pego na bengala, espécie de Cúpido que a cada passo se crava no chão e não me deixa fugir deste amor que vai e vem como as tais ondas e as núvens feitas de nada, apenas cargas de água e tempestade que me fazem rodopiar ao vento tragada que sou pelos pingos grossos da chuva que estala das núvens em bateladas zangadas que estouram em cima de mim e me afogam e lavam.

Sei que te quero, meu amor, olho para dentro da minha caixa de cigarros e vejo-te lá guardado a dizer-me “não fumes tanto” e vejo-te também a atravessar a rua e a sorrires com esse teu ar gaiato e a acenares-me feliz de me veres mais uma vez que se sucedeu a outra e mais outra ainda. Sei, meu amor, mas tem paciência comigo e com as minhas núvens carregadas de tempestade e bateladas de água em remoinhos acumulados de liberdade e independência e intolerância e esta auto-suficiência que me transformou numa península. Felizmente numa península e não numa ilha de orgulho e sarcasmo face ao mundo ali tão perto e tão tonto, grande que sou no meu desprezo pelas praias carregadas de gente de braçadeiras e pranchas de surf e bichas de automóveis encarreirados para irem todos ao mesmo sítio ao mesmo tempo no mesmo perímetro circunscrito de liberdade a conta-gotas, simulacro de liberdade que todos pensam que querem mas dá tanto trabalho e medo e esforço. Orgulho, o meu, meu amor, que te quero e sei que te quero e até nas bichas te espero pacientemente cruzando estas águas a vau e fazendo pontes para o outro lado para te ver e te trazer até mim.

É o amor esta mistura de ingredientes insólitos, fórmulas únicas de equações desconhecidas de cada vez que acontece e será agora que atingi a fórmula perfeita e o número dourado, a regra de ouro da simplicidade que me vai arrancar à minha fortaleza de basalto e granito sem vigias rasgadas para o vale. Construo uma nova casa de barro seco ao sol estridente das duas da tarde, barro que enrijece e não se desfaz com as águas da chuva que caiem em bateladas violentas, estalos na cara dos deuses que insistem em nos fazer imperfeitos à sua imagem e semelhança. Está fresco e agradável dentro desta casa nova simples e de portas-janelas abertas sobre o jardim que acabei de florir com o sorriso com que acordo todas as manhãs. Sem sebes, este jardim de margaridas amarelas e crisântemos vermelho vivo, salpicado de rosas sem espinhos e odor inebriante, o cheiro da tua pele, meu amor, da tua alma colorida e que não me deixa dormir.

17 de Agosto 2009

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