13 de jan. de 2010

Apenas porque sim


Fazia-se a avenida de sete estradas a direito recortadas pelos ramos das árvores plantadas no centro, alinhadas, aprumadas, generosas, centenárias. Abraçavam as árvores três estradas à direita mais quatro à esquerda, a quem cumprimentavam os ramos oscilantes pelo vento que não parava. Tão grandes eram as árvores que sombreavam duas das três estradas à direita e pelo menos três da esquerda, quando o sol despontava quente e sem misericórdia nas manhãs de Julho. Mas isso era lá mais para a frente, o Verão, que tardava a chegar simplesmente pelo facto do calendário marcar o mês de Janeiro ainda sem ter alcançado o meio, não porque o Inverno se prolongava mas porque nem a Primavera ainda tivera licença de se abeirar da estrada e fazer despontar qualquer botão de rosa ou mesmo de amendoeira nos campos para além da cidade, os do sul a debruarem o mar do Algarve pintalgados de branco e amarelo.

Concentrou os olhar no letreiro de néon azul e branco gigante do banco do outro lado da estrada e depois nas bolotas, que de bolotas nada tinham, penduradas nos ramos despidos dos plátanos que quase lhe batiam na janela. Aquilo tinha um nome, decerto, que a classificação de Lineu ou lá o que era identificaria algures num compêndio daqueles que listam todas as árvores, suas categorias e frutos, aquelas bolas com sementes lá dentro, como é que era mesmo que se chamavam quando as árvores não davam fruto. Que interessava. O tempo passava agora distraidamente, permitia-se agora que o tempo passasse distraidamente, cansada que estava de fazer e planear e dobrar e arrumar e manejar as horas do dia e também as da noite para caberem no tapete de vida que se lhe desenrolava todos os dias debaixo dos pés.

Se pintasse pintaria agora os ramos do plátano com as suas bolotas que não eram bolotas a tremerem ao vento de Janeiro, o vento da chuva que caía sem misericórida sobre a estrada que era sem misericórida massacrada pelos carros que sem misericórdia a pisavam dia e noite debaixo da janela. Atrás, um candeeiro de rua magro e espadaúdo de luzes duplas amarelas, um chifre para cada lado, e ainda mais atrás as arcadas do mamute gigante do banco, testemunho moderno e de dias contados da grandeza passageira dos homens, do dinheiro e do poder.

Não eram sete as estradas da avenida, mas podiam ser, aquela avenida de desejo e frescura onde viviam as árvores centenárias que a abraçavam e sombreavam nos dias de Julho que haveriam de vir. Mas que importava. Tinha agora os ramos do plátano despidos de folhas mas cheios de vento e bolotas que não eram bolotas. Chegava-lhe isso, tal como lhe chegava a oferenda dos dias tal como eles eram, e da vida tal como ela era, por muito que protestasse e se revoltasse contra o que queria e não queria, chegava-lhe a vida tal como ela era.

Em agradecimento por tudo aquilo que não tinha e que não queria, baixou a cabeça e sorriu de tanta tonteira e querer e desejo que apenas serviam para preencher as horas de preocupação e ruído. Queria paz, afinal de contas. E isso não lhe faltava e era o que interessava. Tudo o resto é passageiro, tirando a paz, pois no final tudo o que fica é a recordação da luz de um fósforo acabado de acender.