11 de nov. de 2009

Quando acordar


Era uma espécie de melaço escorrido no exterior do frasco, de consistência pegajosa, cheiro adocicado e tonalidade escura. Era esse o cansaço que sentia, um cansaço pegajoso e doce e escuro. Pouco antes, o mundo vestira-se de roupagens ricas, de veludos, brocados e sedas: que bonito era este amor desusado e sem porquê que, de súbito, se vestira de luz e se aninhara numa tocha fulgurante que a tudo alumiava.

Procuro-te, meu amor, e não te encontro. E como não estás em lado nenhum procuro-te nas ondas do mar e no rostalhar das folhas ao vento que vivem debaixo da minha janela. É um amor adivinhado este, o nosso que ainda não é amor, que é ausência e só isso, o tal tempo meu amor que me falaste e que existe para além deste tempo que conhecemos. Eram estas, assim simples e sem explicação, as histórias dos contos de fadas, acreditavas nelas? Onde andas, meu amor, que não te vejo? E como não estás em lado nenhum, procuro-te entre os meus lençóis e não te encontro, procuro-te na minha pequena história e não te encontro. Não estás dentro da minha vida, nem te sentas na minha varanda, nem já sei sequer se te vi a mostrares-me a tua alma, bela, fulgurante como a tocha que a tudo alumiava. E tão sereno, tão sereno que nem perdido pareces, meu amor. Gosto de te chamar assim mesmo sem o seres. Não és meu, nem amor, não o poderias ser, nem meu porque não o és, nem amor porque o amor é uma coisa de tempo sério e comprido e ganha com esforço e com paixão repetida e caminhos percorridos a dois de braço dado, campos de batalha conquistados, depois lá vem o amor. É isso que dizem.

Mas, meu amor, que te posso dizer senão isto: que é este o cansaço que sinto, pegajoso e doce e escuro. Não quero deixar de me cansar porque sei que, quando acordar, meu amor, tu nunca foste nem meu, nem amor, nem nada. Como o canto das aves que se calam ainda o sol não se pôs, também eu terei de calar este amor que não é amor ainda, para que ele não tenha que ser a espada de dois gumes que me vai trespassar a alma e acabar comigo. Agora que te conheci, meu amor, que meu amor não és.

31 de Julho 2009

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