10 de jun. de 2010

Neblina







Eram sete véus de neblina clara e fina que abraçavam o ziguezaguear do caminho de terra batida. A cada curva, a neblina adensava-se em veios amarelados e húmidos que roçavam o nariz e ondulavam ainda mais o cabelo despenteado pelo vento agreste e solto. Estava quase a chover mas ainda não. Ameaçavam os bagos grossos de chuva ainda trancados nas núvens sem se decidirem, no entanto, a descer os fios de neblina como acrobatas de circo, de cabeça para baixo, água a escorrer na água, orvalhada de amanhecer na orla da tempestade.

Dava passos incertos na berma do caminho que descia agora a ravina em direcção à praia. Chorões gordos e cravos romanos em plena floração beijavam-lhe o couro dos sapatos gastos pelas pedras do caminho que conhecia de cor. As pedras, conhecia-as uma a uma, testemunhos silenciosos do desassossego brando que lhe inquietava a alma naquela procura do momento da revelação nos livros, no mar, na brisa morna das tardes claras, no afundar dos pés doridos nas areias frias à beira-mar. Fechava os olhos e esperava que fosse essa a hora em que visse para além da cegueira dos dias. Em vão.

Um dia atrás do outro descia a ravina pedregosa com passos incertos em direcção ao mar, na busca inquieta das certezas que nunca são. Um dia atrás do outro, até que o Outono se fundiu no Inverno, que acordou na Primavera, que morreu no Verão.

Para o João Carreira, no seu aniversário
9 de Junho de 2010

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